27.2.14

Cozinha da carne


Desce a ladeira a marcha fúnebre
dos vagabundos e prostitutas,
gargalhando extravasados
“fodam-se” à sagrada família:

É o enterro de Quincas Berro d’Água!
A festa é cidade baixa,
É festa no mar!

...

“A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força
O vovô foi passado pra trás!”

“Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha
Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha”

...

Januário estava pego em lembranças. Diabos, como se divertia naqueles carnavais de outrora, da mocidade juvenil. Agora essa dor nas costa...

Sambista ortodoxo, marcador de responsa do surdo nos batuques da comunidade, agora tem que aguentar o mister Catra cantando a versão pancadão daquela saudosa marchinha de outrora. Raios que os partam, que vão todos pra puta que pariu!

Lançava maldições assim seu Januário, esquecendo ser ele mesmo gigolô das antigas, Leão de Chácara de responsa, conhecedor e mesmo padrinho de boa parte dos filhas da puta da sua quebrada. Não lembrava também que quando começou essa história do funk já era macaco véi dos bailão. Bons tempos daquele Black Power; agora ele é careca bola oito.

Na verdade Januário só está de mau humor mesmo, saudade que bateu doída no peito, saudades da Amélia; aquele jeito tão de repente inconsolável e derradeiro em que ela voou pro céu e faltou na terra ao mesmo tempo.

Agora, derramado todo o leite, esvazia-se nos sons surdos da multidão, entre a quarta feira de cinzas e o dia de Finados. Espera sua vez de virar passarinho (quem sabe besouro, mesmo um urubu-rei, um gaviãozão?). Enquanto isso observa lentamente os movimentos inertes de cada momento que passa.

“Essa carcaça véia é casulo, vai virá asa, ah se vai, to cozinhando!” diz aos amigos que chegam, pro carteado e pra cachacinha.

Decerto que, quando voar, vai ao encontro dela.


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