10.2.16

O Pugilista Amoroso (versão prosa)


(original de 2012, uma cena rápida, curta-metragem)


A noite torna-se outra e a música também muda, a chapa esquenta. Agora é uma big-band jazz que toca metais em brasa. Vista aérea da cidade portuária de Vitória, no Espírito Santo.

Um galpão abandonado no centro da cidade. Dentro, uma luta clandestina de boxe. As arquibancadas estão cheias. O público vibra. Fim do segundo round. O odor de suor, quase uma névoa, veludo que se mistura à fumaça dos cigarros. Das tesouras do telhado descem em escalada as lagartixas, para o bote às moscas e mariposas, esvoaçantes à luz amarelada das lamparinas que margeiam o ringue. Uma coruja observa em desinteressada atenção, prepara seu próprio bote. Embaixo das arquibancadas de madeira, os ratos fazem a festa com os pedaços de comida e amendoim. Um homem puxa assunto:

– Parece que o italiano é favorito. O mulato já era.


O outro responde:

– Mas vá! O Brasil também era favorito ano passado na copa. No fim o Maracanã ficou calado. E mulato sou eu, ele é cafuzo.


Terceiro round. De cada lado do corner, os dois homens se levantam, os corpos brilhando úmidos e quentes. O vapor da combustão sanguínea exala dos lutadores. Adolfo mantém a expressão de razoável tranqüilidade, apesar da forte respiração. Parece quase que gostava muito daquele momento, e se levanta ao ouvir estalar o gongo. Lucas acentua as sobrancelhas em forma de raio, insinua raiva. Mas, sobretudo, o brilho nos olhos de ambos expressa a concentração dos lutadores, e o público de novo vibra.

O ritmo dos ombros inspira uma música rápida, a marcação da bateria do jazz, aguardando a fúria dos metais. Adolfo toma a iniciativa: jabs rápidos e potentes impactam na forte guarda de Lucas, quando esse contra ataca o abdômen do adversário com um cruzado e um gancho baixo em cada mão.


Os golpes espirram a água salgada do corpo de Adolfo, sua boca parece sorrir ao se contrair dos golpes. Sangue latino.


Apaixona-se pelo italiano, num embate em um galpão velho, entre os gritos da pequena multidão. Os jabs, counters and uppers, os cruzados naquele abdômen duro, branco e vermelho. Lindo, que tábua! As sobrancelhas em raio, algo raivosas, feitas! Sino do intervalo. Nota-se a leve ereção, que a cueca reprime por baixo dos shorts.

O velho barreiro joga a toalha na cara de Adolfo:


– Cê ta deixando muito aberto embaixo, porra! – gesticula.

Afinal, vieram de longe, agenda com lutas marcadas em toda a região, um trabalhão!


Adolfo ri, lembra de quando o velho tratou de ensiná-lo, depois daquela surra que levou de um homem mau, há muito tempo atrás.

O maldito tinha machucado-o, antes do velho ajudá-lo. O mestre o ensinou a levantar a guarda e fortalecer sua base. O olhar rápido, a resposta precisa, a execução do golpe certeiro, raio de Xangô! Teve sua vingança, naquela noite de lua nova.


O sino tocou e, sem abrir a boca, voltou ao centro do ringue. Na arquibancada, um homem de chapéu e lenço no pescoço, passa com seu bigodinho, incitando as apostas:


– Tá 3 por 2 pro italiano, é um galo por cabeça, 50 réis! Vamo que já vai fechar.

Infelizmente, o golpe final no quarto round anuncia a explosão do tesão. Aquele sino do fim. O braço de Adolfo levantado, vitória. O shorts murchando, gozado. Lembra de pouco tempo antes, daquele fatídico jogo da seleção brasileira no maracanã, a inesperada derrota para o Uruguai, o fim da copa, o prazer interrompido. Agora a grana da aposta!

Era bom pegar e gastar em outro lugar.



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