8.5.17

Piracema Café


Tinham combinado apenas um café. Apenas isso. Naquele lugar perto da praça, o dia estava bom, ainda era verão. Mas a coisa foi se transformando. “Ta bom o café?”, “uhum”, e olhava para aquele rosto felino. Tinha dificuldade em definir precisamente o que fascinava tanto, mas de fato era felino, algo selvagem, indomável. E o rosto que admirava não se imaginava belo, ainda que obstinado, não que isso importasse tanto, mas sim o que estava além do rosto, que nele se afundava, um acento,  os olhos algo tortos mas que se abrem como buraco negro no qual talvez valha a pena se jogar, deixar-se arrastar pela magnética gravidade, afundar num lago escuro e noturno de lua fria e águas termais, o banho quente de dorsos nus emaranhados em meio ao vapor de névoa quente e úmida de uma fonte termal, bocas e línguas e ouvidos, narizes pescoços, que parte é essa, um ritmo lento, o som de pequenos grilos e outros insetos, o encaixe fundo dos corpos lisos e molhados na noite fria e água quente, peixes imóveis em si, rodando um no outro, as peles lisas e molhadas roçando, o cheiro de mato e relva, amargor doce e suor, e beiços e tetas e línguas e peitos como peixes, mas também cobras e sapos, um estalo, explosão.


Pagaram a conta, e a mesa ficou vazia.