11.11.17

Bumerangue Brasil


Ninguém conhece o Brasil. Tenho certeza disso. Ou ele foi jantar na casa de alguém? As pessoas se sabem brasileiras, a nacionalidade do seu RG está lá para comprovar isso. Muitas vezes sentem amor à pátria, esse ente soberano, além de amor próprio, claro. E idolatram a bandeira desse ente soberano, e, se necessário, respondem ao seu chamamento, seja lá quem tocar a trombeta. Mesmo assim ninguém conhece o Brasil. O Brasil é irreconhecível. É o que se quiser que seja. E é possível reduzi-lo ao tamanho de um mapa, aquela forma que, mais ou menos, todo mundo conhece. Não conhece? Há, pois bem, tome aqui uma bandeira, hás de lembrar, verde, amarelo, azul, uma faixa branca, algumas estrelinhas, mesmo que não saiba ler há de reconhê-la, leio pra ti o que está escrito lá, repita comigo: “Or dem e Pro gre sso, ordem e progresso, ordem e progresso.

Os comunistas não, são como os judeus, uns com suas bandeiras vermelhas, machados e foices outros com suas estrelas de Davi, e as Torás embaixo do braço. Brasileiro não! Se for católico, sabe que a matriz fica em Roma, se for protestante, na Inglaterra e EUA, e se for evangélico pentecostal, melhor ainda, que a matriz é o Brasil mesmo.

Mas ninguém sabe o que é o Brasil, ainda que desse imenso território possa se fazer essa ou aquela teoria, da mais sofisticada e profunda à mais rasa, tacanha e superficial, e todas tem uma recapitulação histórica, todas contam histórias, com valores e personagens diferentes, e todas sabem muito bem o que contam e o que deixam de falar, o que deixam de fora, cortam e colam pedaços de coisas numa idéia de Brasil, de pátria amada, esse lugar em que todos que amam essa nação, seja lá o que ela for, pertencem. O Brasil se mistura a idéia de terra natal, de lugar de pertença, ainda que esse ou aquele lugar que possamos reconhecer assim não tenha sido assim no passado, e também não o será no futuro.

Mas ninguém sabe o que é o Brasil, mas é possível conhecê-lo melhor, e isso de duas formas. Uma é na prática, como os caminhoneiros e andarilhos, que por necessidade e errância cruzam as fronteiras internas do país, percorrendo-o de norte a sul, de leste a oeste. Fronteiras não são linhas divisórias ou muros, o nome disso é prisão, fronteiras são distâncias, profundidades, uma noção do tamanho da terra. Conhecer as distâncias, e tudo o que muda ao percorrê-las, os hábitos, os sotaques, os lugares, as pessoas. Tudo muda.


E a outra forma de conhecê-lo é pelo ombro dos gigantes, e ai concorrem monumentos e estátuas, como Jesus Cristo e Borba Gato, com pessoas comuns, intelectuais e populares, como Darcy Ribeiro e Carolina de Jesus. Pessoas estas que organizam o território através da fala e da palavra escrita, e que dão forma mesmo ao Brasil a partir de tudo o que de fato é, essa infinidade de coisas, mas coisas que podem ser mesuradas, não só sob a lente de uma moral qualquer, da vigilância severa e dos cifrões do lucro, também por isso, mas pela sistematização de tudo aquilo que é documentado, registrado, sejam os livros de cartório ou a famosa foto com as cabeças do bando de Lampião. Mas o Brasil não tem forma fixa, é um monstro mutável e mutante, como uma grande baleia está para o mar. Graças a Deus, a Virgem Maria, a todos os santos e santas e Orixás. E Tubinambás.